viernes, 30 de mayo de 2008

Um desejo de aniversário

Durante um mês Carolina conversou com seu pai sempre que pôde. O médico disse que ele estava evoluindo por razões que ela não sabia explicar, mas soube que os seus índices de vitalidade estavam dentro da média. Só lhe faltava abrir os olhos e falar, pois não seria muito bom que seu estado de coma durasse muito tempo, para que ao acordar ele não ficasse com nenhuma sequela.
Carolina já estava mais tranquila por saber que a saúde de seu pai pelo menos se mantinha. Um dia no Hospital, D. Clara a deixou sózinha por mais tempo com S. Fernando. Era o dia do seu aniversário. Fazia 13 anos. Falou com seu pai que tinha muita saudade dele e que como completava esta idade, ela é que tinha trazido um presente para ele. Dentro do seu bolsinho do vestido, Carolina trazia a fotografia da sua mãe. Ainda não tinha plena certeza, mas quanto mais via a fotografia, mais desejava que aquela senhora fosse realmente sua mãezinha...
- Pai... - Disse Carolina.- Trouxe a fotografia que lhe tirei da gaveta. Assim podemos, os três, comemorar o meu aniversário.
Carolina segurou a mão do seu pai e colocou o dedo indicador dele a acariciar o rosto da fotografia. Apesar de Sr. Fernando não colaborar com o gesto e deixar que seus dedos fossem guiados pela mãozinha da Carolina, ela viu que de seus olhos mais uma vez, escorria uma lágrima. Notou que suas cores mudaram como se ele estivesse nitidamente emocionado.
- Eu sei que não podes falar comigo, mas hoje o maior presente que podia receber, era que o senhor finalmente acordasse. E completava a minha alegria se me desse a certeza de que esta senhora era minha mãe... E mais, se Deus existe, - Continuou Carolina, com a mão no peito, como se estivesse a fazer um pedido a Ele.- queria saber onde a poderia encontrar...
Depois de ter falado em voz alta, deixou-se divagar em seus pensamentos, como se estivesse a imaginar este dia. Ficou durante uns segundos com a sua mão, a mão do Sr. Fernando e o retrato da sua mãe, agarrados a um passado que nenhum dos três saberia contar ao certo, pois nunca tiveram oportunidade de aproveitar.
Neste momento, como por milagre, Carolina sentiu que a mão de S. Fernando apertou levemente a sua. Pensava que tinha sonhado, quando de repente ele repetiu o gesto, mas desta vez, mais forte. Tanto que Carolina teve que tirar a foto para não a machucar. Voltou a colocar dentro do seu bolso e olhou para ele. - Pai, pai, pai... Disse ela tentando acordá-lo. - Estás a me ouvir? - Continuou. - Acorde pai. Vamos procurar mamãe. Vamos viver os três juntos e ser feliz. Por favor pai, já não aguento viver assim. Faço hoje 13 anos e não lembro nunca de ter sido feliz. Por favor, pai, me ajude...

lunes, 26 de mayo de 2008

Duas satisfações

Por uns instantes, Carolina pensou que não tinha compreendido bem o que Marcelo havia dito. Mas não arriscou perguntar outra vez. Percebeu o motivo da tristeza que transparecia no rosto dele e tentou lhe confortar com palavras de confiança. Apesar da sua idade... Por vezes as crianças nos surpreendem.
- Olha, não fique triste não, viu? Acho que Arnaldinho já esperava que isso fosse acontecer. Ele se sentia muito bem com vocês e com a condição de vida que lhe foi imposta e quando falei com ele, parecia que só queria ser feliz em todos os momentos que pudesse...
- Eu sei, Carolina. Eu sei. - Falou Marcelo, interrompendo-a. - Apesar desse trabalho ser infelizmente rotineiro e perder muitas crianças ao longo do ano, creio que jamais me conformarei com o destino.
Carolina não se atreveu a contestar o desabafo de Marcelo. Deixou que ele próprio se auto relaxasse e aceitasse com o tempo. Ela, mesmo não tendo conhecido Arnaldinho como pretendia, e dentro da sua insatisfação pessoal, até pensou em estar no lugar do pequeno. Mas não deixou transparecer, nem falou nada para Marcelo. Não pretendia lhe agitar ainda mais a sua alma sofrida.
Quando eles chegaram no andar do pai de Carolina, D. Clara já estava lá. Não teve nenhuma reação negativa, e agradeceu a Marcelo pela boa vontade.
- Não precisa agradecer, minha senhora. Carolina é muito boa companhia. Gosto muito dela.
Carolina ouviu a voz dele dentro do seu coração como uma flecha que entra em câmara lenta e espeta levemente no sentimento sentado a dormir. Olhou para ele com ternura e o viu acenar com a mão, um até logo breve, em que Carolina notou uma mistura de alegria e tristeza.
Ela sabia que era muito jovem para amá-lo como uma mulher ama um homem. Tinha apenas doze anos e ele vinte e dois. Ainda por cima, tinha uma namorada que era encantadora. Carolina, na verdade, não estava apaixonada pelo homem, mas sim pelo amigo que ele parecia ser, pela carência afectiva que ela sofria e pela necessidade de falar com alguém que "realmente gostasse dela".
- Vamos! - Disse D. Clara, secamente.
Antes que pudessem sair do corredor, o Médico substituto de Sr. Fernando a chamou e estava um pouco agitado.
- Minha senhora, por acaso é a senhora a esposa do Sr. Fernando Pignar? - Perguntou ele, como se tivesse uma boa notícia para dar, pois seus olhos brilhavam.
- Sim. Por acaso sou. - Respondeu D. Clara, sem notar nada de extraordinário na voz do Médico.
- Muito prazer. Eu sou Alexandre Sanchez, o Médico de plantão desta noite. Queria apenas que soubesses que a Enfermeira-chefe me comunicou que depois que sua filha saiu do quarto do paciente, caíram pelo menos duas grandes lágrimas de seus olhos. Apesar do seu estado de coma, podemos afirmar que, se a menina falou com ele algo, com certeza lhe deve ter emocionado. E esta reacção é muito positiva.
- É mesmo? - Perguntou D. Clara, tentando fazer um ar feliz. - Que bom. Vamos ver se melhora então. Logo mais à noite venho fazer-lhe um pouco de companhia.
- Eu também venho contigo, mãe. - Falou Carolina, muito emocionada.
- Você ficará com a sua avó Carolina. - Disse D. Clara, se despedindo ao mesmo tempo do Dr. Alexandre.
Carolina compreendeu que não deveria ser permitido crianças durante a noite. E era possível que D. Clara dormisse ali aquela noite. Foi durante todo o caminho com duas satisfações no peito. Uma era por ter passado aqueles momentos com o enfermeiro Marcelo e a outra era por saber que poderia conversar com seu pai. Pois ele a ouvia.

domingo, 25 de mayo de 2008

Segunda perda

Carolina foi procurar D. Clara, mas não a encontrou. Andou corredor acima, corredor abaixo e não conseguiu ver onde estava a sua mãe. Arriscou-se descer as escadas, pois tinha medo de ir sozinha no elevador. Olhou para um lado, olhou para o outro, e nada. Nem sinal da sua mãe. Resolveu voltar para o mesmo andar do seu pai. Pelo menos assim, tinha certeza que não se perderia.
Quando virou o seu corpo para voltar a subir as escadas, ouviu alguém chamar-lhe pelo nome. "Carolina!". Ela olhou curiosa. Podia ser uma coincidencia, pois a voz era de um homem. Ouviu outra vez, mas com a certeza de que quem a chamava estava mais perto e do lado contrário ao que olhava. Era Marcelo Galardo, o enfermeiro.
- Olá, Carolina. O que fazes aqui sozinha? O seu pai não está no segundo andar? - Disse ele, preocupado - Onde está sua mãe? - Perguntou.
- Na verdade não sei. Estava com o meu pai e ela disse que eu não demorasse. Quando voltei, já não a encontrei onde me disse que estaria. - Disse Carolina, um pouco pertubada por estar outra vez com Marcelo. Olhava profundamente nos olhos dele, numa mistura de amizade e amor. Estava perfeitamente confortável em estar ao seu lado. Por algum motivo, confiava plenamente nele. Achava que lhe inspirava estabilidade e carinho. Aproveitou para lhe segurar na mão e pedir que lhe ajudasse a encontrar a sua mãe.
Marcelo, ficou muito emocionado com o pedido e a confiança de Carolina. Consentiu que apesar de estar a caminho do necrotério, podia perfeitamente acompanhar Carolina para ajudá-la a conseguir alguma informação da sua mãe.
- Olá Carmencita, você por acaso viu a mãe desta menina? Ela é a filha do senhor que está em coma no 218. Estiveram as duas aqui neste momento a visitá-lo, mas Carolina não consegue encontrar sua mãe. - Perguntou ele, à sua colega enfermeira.
- Sim, claro. - Respondeu ela. - Disse-me que ia tomar um café no Refeitório enquanto a menina estava com o pai. Tens que ir ver se ainda lá está, ou esperar aqui mesmo.
- Vamos ver se lá está. - Disse Carolina apressada, usando o motivo para estar mais tempo com as mãos dadas a Marcelo.
- Sim, vamos até lá. Mas por favor, se ela retornar, diga-lhe que Carolina está comigo e eu já a trago de volta se não a encontrar na Cafetaria.
Carolina estava mais feliz do que no dia que dia que ganhou seu carrossel. Estava com Marcelo. Era o seu amigo. E sabia que podia acompanhá-lo para todo lado que ele fosse.
- Como estão os meninos da festa? - Perguntou Carolina, já descontraída pelos frios corredores do Hospital.
- Estão como Deus manda, Carolina. Gostamos muito de estar com eles. Fazemos os possíveis para que todos os momentos de cada um, sejam os melhores de suas vidas. Não é fácil ser feliz nestas condições de saúde...
Carolina notou que Marcelo mudou de ânimo com o assunto.
- E você fica muito triste com isso, não?
- Sim, fico muito triste. - Disse ele, suspirando. E calando-se.
Fez-se um silêncio muito grande que incomodou Carolina. Entraram no elevador, saíram, viraram por um corredor que parecia um "U" e entraram na Cafetaria. Olharam os dois para todos os lados, e não viram sinal de D. Clara. Marcelo, disse simplesmente que ela não estava ali e que iria lhe colocar no andar que estava antes. Voltou outra vez pelo mesmo caminho, sempre em silêncio.
O coração de Carolina já palpitava de tanta ansiedade. Arriscou fazer uma pergunta.
- Como está Arnaldinho?...
- Arnaldinho, Carolina... Faleceu esta manhã.

viernes, 23 de mayo de 2008

Um momento de emoção

D. Clara levou Carolina ao Hospital um pouco a contragosto, pois não se sentia mais aliviada por ter tido aquela conversa com ela. Mas, ao contrário do que se esperava, passou toda a manhã a pensar na sua própria vida. Tentava organizar mentalmente o que faria depois da morte do seu marido e não tinha decidido ainda se incluiría Carolina. Pensava que na verdade, ela não era uma criança difícil, mas não conseguia aceitá-la por ser ela a filha de um relacionamento extra-conjugal. Assim, cada vez que a imagem da mãe de Carolina vinha à sua cabeça, seu humor e sensatez iam definitivamente embora. E seu descontrole, atingia fatalmente à Carolina.
- Espere-me aqui. Vou falar com Enfermeira e ver se Fernando já pode receber visitas. - Disse D. Clara, com alguma paciência para Carolina.
Ela consentiu abaixando a cabeça e procurando um lugar para sentar. Estava no hall de entrada dos corredores dos quartos de tratamentos. Viu vezes sem conta, o passar de auxiliares, enfermeiras e médicos que subiam e desciam pelos elevadores. Também viu, infelizmente, uma maca a passar com um corpo coberto até a cabeça, saindo provavelmente da sala de UTI. Não pensou que fosse o seu pai, pois o tamanho era muito menor que o dele. Seu Fernando era alto e bonito, lembrava Carolina com saudades, dando um suspiro, tanto pela suposta morte do paciente, como pelo lamento da situação do seu pai.
Esperou pelo menos quinze minutos até que veio D. Clara lhe chamar.
- Seu pai está no quarto 218 em observação. Não mexa em nada. Ele está dormindo, portanto não pode lhe ouvir. Vou falar com o médico enquanto você vai vê-lo. Não demore lá dentro. Venha se encontrar comigo aqui neste mesmo local.
Carolina já estava acostumada a ser mandada por D. Clara, para aqui e para ali, e raramente ela lhe acompanhava. Apesar de esta atitude lhe forçar a ser independente, houve ocasiões em que ela necessitava de apoio e não teve. Carolina entretanto, entrou no corredor com o coração aos saltos. Estava tão feliz de ver o seu pai, que não se importava dele estar dormindo.
Entrou e o viu ligado às máquinas. O som da máquina de medir os batimentos cardíacos era tranquilizador. Parecia o som de um coração metálico. Pi... pi... pi... pi... pi...
Aproximou-se da cama e segurou na mão do seu pai. Olhou-o com carinho e deixou uma lágrima cair dos seus olhos. Com aquele toque de mãos, Carolina sentiu que há muito tempo não lhe segurava assim. Sentiu a força que tinha o seu pai, ao ver que tinha ele uma mão grande e rígida, ao contrário das dela que eram pequenas e muito macias. Ficou um tempo a admirar as duas mãos.
Carolina, sem saber porque, começou a conversar com seu pai, esquecendo que ele não a podia ouvir.
- Sabe pai, eu tenho uma coisa para lhe confessar. - Disse Carolina, com a cabeça baixa e os olhos mirando a mão, veias e unhas dele. - Um dia eu fui ao seu quarto e na sua ausência remexi na gaveta do seu lado da cama. Já não me lembro o que buscava, mas talvez tenha sido levada por uma vontade de descobrir porque eu não sentia que minha mãe não era mesmo a minha mãe. Procurava um segredo e encontrei um retrato. Não sei se deu por falta dele, pois nunca me questionaste sobre isto. Quero lhe dizer que apesar de não saber quem é, ainda o tenho comigo. Agora que estás nesta cama, penso que não valerá a pena devolver. Vou ficar com a fotografia e só a devolvo se você mesmo me pedir. É pena que não podes falar comigo e dizer-me quem é aquela senhora, mas confesso que gostaria de pensar que ela é a minha mãezinha verdadeira...
Carolina foi interrompida pela Enfermeira.
- Desculpe-me minha querida, mas temos que fazer um exame no paciente. Pode dar um beijinho nele se quiser, volto em um instante, mas aconselho que vá ao encontro da sua mãe. Ela lhe espera.
- Sim senhora. - Respondeu amavelmente Carolina.
Então soltou delicadamente a mão do seu pai e colocou seus pezinhos em pontas para acançar o seu rosto, quando percebeu que havia uma lágrima a lhe escorrer no canto dos olhos. Abriu os olhos de espanto e lhe enxugou a lágrima.
Quando a enfermeira retornou, Carolina perguntou se era possível que ele a tivesse ouvido falar com ele e a enfermeira confirmou. Disse que normalmente as pessoas em estado de coma, costumam ouvir as conversar que se passa em sua volta. Assim contam algum, quando saem deste estado e retornam à vida normal.
Carolina aproveitou para beijar outra vez o seu pai e dizer a ele que voltava no dia seguinte. E ainda mais feliz ficou por ver que ele se emocionou com o que ela falara. Será que estava feliz em saber que Carolina afinal já estava perto da verdade?

martes, 20 de mayo de 2008

O dia seguinte

Assim dormiu Carolina, assim despertou Carolina. Pensando e sonhando com a sua mãe. Levantou-se e viu que não tinha trocado a roupa do pijama, mas não se importou. Tomou um banho, e fez a higiene bucal. Olhou-se no espelho e não viu mais o seu sorriso inocente de quem espera por um dia magnífico. Viu seus olhos meio inchados do sono e das lágrimas. Sentiu pena de si mesmo. Pobre criança. Queria eu ter sido mais amigo e mais chegado a ela para que não sofresse tanto... Podia contar histórias de crianças que sofriam mais que ela e que não tem como comer ou estudar e outras coisas mais. Entretanto, penso que Carolina não me ia ouvir. Cada criança sofre o pedacinho da sua vida de acordo com o que sente e não com que o resto do mundo está a passar. Sei que quando adulto pensamos mais naquilo que se passa no resto do mundo, mas Carolina naquele momento, só queria pensar em sua mãe. E sei que não me ouviria...
Carolina, trocou-se, desceu preparada para ir à Escola, apesar de não ter nenhuma vontade. Pensava no seu pai e a cada minuto que suspirava, tentava fazer força para que acordasse outra vez e concluísse que afinal a sua vida toda até aquela hora tinha sido um longo pesadelo. Mas como sempre, os seus desejos são quebrados por um som que lhe desencanta de qualquer pensamento que lhe possa aliviar, Dona Clara lhe chamou estridentemente.
- Carolina, está na hora de levantar. Não pense que vai inventar alguma coisa para não ir à Escola.
- Já estou aqui. Não ia inventar nada. - Disse, Carolina falando em um tom mais baixo que D. Clara e aparecendo de repente à frente dela.
- Que susto! Estás maluca. Como é que vem assim de mansinho, sem dizer nada e falando já ao meu lado?! Nunca mais faça isso, ouviu? - Disse D. Clara, com uma mão no coração e a outra segurando no braço de Carolina. - Sente-se já para comer, completou.
Carolina comeu em silêncio. Parecia que a vida lhe arrastava como se ela não quizesse ser levada para lado nenhum. De repente, lembrou-se das crianças do Hospital e do Enfermeiro que era seu amigo. Talvez o Marcelo a pudesse ajudar.
Pensou e respirou ofegante, comendo mais depressa. Estava desejosa de que a manhã passasse para ir ao Hospital ver seu pai e encontrar o seu amigo.

Notícia

Como o Blogger só me permite avisar a apenas 10 dos meus contactos para a notícia de mais um capítulo da "Novela quase verídica", esta mensagem se chegou a ti, é porque o mantive como leitor, se é uma mensagem nova, é porque o escolhi a dedo e com motivos.

viernes, 16 de mayo de 2008

A mãe

(Para quem já leu uma vez esta Folha 12, aconselho ler outra vez, pois modifiquei algumas frases e completei a mesma como prometi)

Já em seu quarto, Carolina não foi atirar-se para a cama como era suposto. Incrivelmente, abriu a gaveta da sua escrivaninha e tirou de lá uma fotografia que por sua vez, tinha um dia tirado da gaveta do seu pai. Sr. Fernando nunca tinha falado nada sobre o assunto, e ela sempre esperou que ele desse pela falta do retrato. Agora já sabe porque o pobre homem nunca falou nada. "Seria a foto daquela mulher, a sua mãe?". Pensou Carolina.
Segurou delicadamente na fotografia meio gasta e com algumas vincos já craquelados do papel. Levou até a sua cama, com passinhos pequenos e silenciosos. Não tinha pressa para chegar e admirava com carinho o rosto da senhora. Tinha cabelo curtos e ondulações bem feitas e bem marcadas. Negros, como não são os de Carolina. Mas agora ela via, que realmente D. Clara tinha razão. A sua cara era exactamente igual a daquela mulher... Seu coração acelerou. E parecia que os olhos que a miravam da fotografia, penetrava directamente nos seus e lhe atingia como um raio.
E pior do que ter a fotografia e a revelação, foi a lembrança do dia anterior.
Como um flash back, Carolina viu a imagem daquela mulher que tinha uma mancha roxa no queixo... Sua mente lhe transmitiu um calafrio na espinha e antes que chegasse a sentar na cama, flexionou o joelho em um impulso contrário. "Seria ela a sua mãe? Meu Deus!!", assustou-se Carolina, com o que tinha pensado. Ficou apavorada e seu coração já não queria aguentar no peito. Pulava tanto que quase se ouvia sem auscutar. Pum bum, pum bum, pum bum...
Ela tinha que encontrar uma maneira de encontrar sua mãe outra vez. Tinha que ter certeza se era ela que a estava a olhar da esquina. E se levava uma criança ao colo... As perguntas e as dúvidas saltavam de um lado para o outro em sua cabeça e por um segundo lhe pareceu que iria desmaiar. Sentou-se e recostou lentamente as costas na cama.
- Tenho que encontrar a minha mãe... - Murmurou.
A princípio daquela noite, Carolina não conseguiu dormir. Mas em uma espécie de sonho acordado, viu-se a encontrar com a sua mãe em uma sala de apoio social. Imaginava que aquela mulher que viu na cidade tivesse problemas financeiros, pois estava pobremente vestida e trazia um bebê ao colo. Aquela mancha no rosto, poderia ter sido de alguma violência feita por seu companheiro, ou melhor, preferia pensar que a senhora tivesse caído e batido o queixo no chão. "Oxalá...", pensou Carolina, tentando não pensar em muitos sofrimentos que ela pudesse ter tido, visto que esperava que fosse realmente a sua mãe.
Viu-se na sala e mentalizou o encontro das duas como um filme de amor. Abraçou-a como se tivessem saudades uma da outra e tamanho foi o esforço mental, que um lágrima lhe escorreu do canto do olho e entrou no seu ouvido. Carolina não se importou com incômodo da água salgada que lhe entrava pelo orifício. Sentia que esta lágrima lhe ligava às lembranças de uma mãe que nunca teve. Assim, deixou que esta lágrima fosse uma mensagem que lhe chegava aos ouvidos.
Carolina assim dormiu. Com uma lágrima a acalentar como uns braços de mãe.

jueves, 15 de mayo de 2008

Revelação

Carolina, já pálida, escutou D. Clara que olhava profundamente para os seus olhos.
- Você não é minha filha verdadeira. Já deve ter notado. Nunca gostei de ti Carolina e não pretendo gostar ou estar com você nesta casa, caso seu pai morra. Sempre soube que seu pai não gostava de mim. Mas o meu pai, fez um trato com o seu avô e eu tive que te aceitar para criar como se fosse minha filha. - Disse D. Clara, sem pestanejar. - Não gosto da maneira como me olhas e não gosto da sua cara. Você se parece com a sua mãe biológica e eu não a suporto. Por isto que estou a lhe falar, e mais uma vez repito, se seu pai vier a falecer, você irá para a casa de sua avó. Minha mãe, não sei porque cargas d'água, gosta de ti e não a quer deixar ir para longe dela.
- Mas, mas... - Gaguejou Carolina.
- Cale-se. Não me interrompa. - Vociferou D. Clara. - Eu não terminei. Não adianta vir com a idéia que quer conhecer a sua mãe ou que era melhor se voltasse para ela. Isto jamais vai acontecer. Nem por cima do meu cadáver. Aquela mulher não merece nada que eu lhe ofereça. E não vou discutir este assunto com você. Tens dez anos de idade e até completar alguma coisa que se pareça com maturidade, vais obedecer a quem eu mandar.
Carolina não acreditava em tantas palavras arrogantes e rudes. Queria fugir dali aos prantos e atirar-se em sua cama. Mas tinha tanto medo de D. Clara que não se atreveu sequer a chorar. Como disse ela, não queria ver nenhuma lágrima a saltar dos olhos.
"Que mal eu fiz, para merecer isto..." Pensou Carolina, a chorar por dentro da sua alma.
- Amanhã vai comigo ao Hospital e não quero que faça cara de tristeza, do contrário jamais voltará a ver o seu querido pai.
Carolina acenou com a cabeça e sem tirar o olhar da D. Clara, com coragem perguntou:
- Posso ir agora?
- Não. Pode dizer o que quer falar, pois não vou mais voltar a este assunto.
- Eu não tenho nada o que dizer. Amanhã vamos ver o pai e quando ele falecer, mudo-me para a casa da avó Mamela. - Disse Carolina, tentando mostrar frieza nos seus sentimentos e tratando a avó Amélia pelo nome carinhoso. - Posso ir deitar agora?
- Sem comer? - Perguntou D. Clara, satisfeita por Carolina ter obedecido e não ter feito nenhum teatro infantil.
- Não tenho fome. Comi um pedaço de bolo no Hospital com os meninos. - Disse ela, mentindo.
- Pois bem. Suba então.
E lá foi Carolina. Devagar, mas com passos firmes. Sentia-se como se tivesse crescido mais cinco anos. Sua cabeça dava milhões de voltas, mas havia uma coisa que lhe deixava completamente feliz: A sua mãe, não era D. Clara!

miércoles, 14 de mayo de 2008

Uma notícia inesperada

Carolina saiu calada do quarto e caminhou todos os corredores até a saída do Hospital, também sem dizer uma palavra. Nem mesmo tinha vontade de perguntar nada sobre o seu pai. Estava angustiada demais por pensar no acto que a sua mãe tinha provocado e em realidade, só as duas sabiam.
D. Clara, ia pensativa enquanto conduzia e também não tinha intenção de dizer nenhuma palavra para Carolina. Era como se estivesse em outro mundo, no qual a Carolina não existia. Talvez fosse isto mesmo que ela estivesse a pensar naquele momento... "Se esta criança não tivesse nascido, agora me livrava de uma vez por todos dos dois...". Imaginou, Carolina.
- Amanhã, só irás comigo ver o seu pai, se te comportares como uma pessoa adulta. Não quero ouvir nem um barulho na casa. Tenho dores de cabeça e tenho muito o que pensar. De preferência, desejo que pareças que não estás lá. - Falou D. Clara, sem tirar os olhos da estrada.
- Não se preocupe, mãe. Não a incomodarei. - Respondeu Carolina, disfarçando sua voz, para parecer meiga. - Eu lhe prometo que não vais ser incomodada. Nem pelo meu coelhinho...
- Este pode jogar para a estrada outra vez, ou faça o que quiser, só não o quero ver de novo. Foi ele que provocou tudo isso. - Disse D. Clara, tentando convencer Carolina de que foi o animalzinho que provocou o acidente do seu pai.
Carolina, ficou vermelha de raiva e de agonia. Tinha vontade de dizer aos gritos tudo o que tinha visto a mãe fazer, mas, mais uma vez, não teve coragem. E sabia que nunca iria ter nenhuma oportunidade de dizer a verdade a ninguém. Não tinha amigos e não tinha idade que lhe valesse a importância de acreditarem em uma afirmação tão delicada e perigosa. Calou-se e limitou-se a abaixar a cabeça.
Quando chegou à casa. Foi directamente a casa das ferramentas do pai ver o coelhinho. Ele já lá não estava. O animal, parecendo que já sabia da sua má sorte e rejeição familiar, deu ele próprio rumo a sua vida. - Menos mal. - Pensou, Carolina, com muita tristeza por ter perdido um suposto amiguinho. - Menos, mal... - Repetiu.
Ia devagar para o seu quarto, já pensando no que tinha prometido à mãe. Mas D. Clara lhe chamou, assim que a sentiu entrar e fechar a porta.
- Venha cá, Carolina. Tenho uma coisa para lhe contar. Sente-se e não fale nada até eu acabar de dizer tudo.. Não quero ser interrompida. Há muito tempo que quero ter esta conversa contigo. Agora acho que já é hora de que saibas de algumas coisas....- Disse D. Clara, com seu ar gelado e olhar de peixe morto.
Carolina sentou-se na poltrona individual com as duas mãos juntas em cima do colo e os pés também juntos em cima do tapete, aproveitando para juntar da mesma forma os joelhos, forçando um ao outro para que não mostrasse seu tremor.
- Preste muita atenção ao que eu vou lhe dizer, Carolina... E quando acabar, não quero choros nem lágrimas, pois já sei exactamente o que eu tenho que fazer... Só lhe quero comunicar.
Quanto mais D. Clara falava, sem realmente começar o assunto, mais Carolina tremia. Seu coração já batia na veia lateral do pescoço e as lágrimas já queriam saltar dos olhos, antes mesmo de saber o que seria.
- Pois bem, menina...

martes, 13 de mayo de 2008

Despedida

Aquele sorriso de Marcos e o seu olhar, deixou Carolina desconcertada e pesarosa. Ela sabia que tinha um sentimento de carência muito grande e também sabia que ele só devia ter olhado carinhosamente para ela porque com certeza fazia parte do seu trabalho. Por uns instantes pensou no Marcos como seu príncipe encantado e antes que pudesse sonhar algo mais na sua imaginação, foi tomada de assalto por um menino que a tomou pelos braços e a convidou para sentar em uma das camas com eles. Todos queriam ver o carrossel a funcionar.
Enquanto a musiquinha ia e vinha várias vezes, Carolina voltou a pensar no seu pai. Não sabia se ele iria conseguir viver e ela experimentava de vez em quando um espécie de tremor interior quando pensava em viver sozinha com a sua mãe. Dizia ao seu coração que se isso viesse a acontecer, que ela fugiria de casa.
- Carolina, é seu nome, não é mesmo? - Perguntou o menino que a tinha convidado para sentar.
- Sou, e você? - Respondeu perguntado ela ao menino. Sem se importar por ter saído dos seus pensamentos de revolta.
- Eu me chamo Arnaldinho.
- Arnaldinho? - Deve ser diminutivo de Arnaldo...
- É. Mas eu gosto que me chamem de Arnaldinho. Me sinto mais pequeno e aí me tratam com mais carinho.
Carolina riu-se.
- Pena que o meu nome é muito esquisito para colocar no diminutivo. Já pensou se me chamassem de "Carolininha"? Que horror.
- É mesmo. - Disse ele, rindo. Mas podemos te chamar de "Carol".
- Gente, ela agora se chama "Carol" para os amigos!
- Eeeeeeeeeee. Gritaram todos. Carol! Carol! Carol!
Carolina se pôs a rir com eles e terminou por se embolar na cama com os balões, pois todos vieram lhe abraçar ao mesmo tempo a lhe fazerem corségas.
Carolina estava feliz. Naquele momento, entre crianças, brinquedos, alegria e bondades, ela não se lembrava de suas histórias tristes de vida. Mas como não podia deixar de ser...
- Vamos! - Falou uma voz de mulher que estava estática parada na porta do quarto. Era sua mãe. Disse um "Olá" seco para todos e extendeu a mão dizendo. - Vim buscar Carolina Pignar. Disse ela, sabendo que Carolina detestava que lhe chamassem pelo nome todo.
- Muito bem, disse a enfermeira-boneca. Mas antes ela tem que prometer que cada vez que vier ao Hospital que venha também para nos ver. Ela já fez muitos amigos e eles gostaram muito dela. Não foi pessoal?
- Carol! Carol! Carol!. Responderam em coro.
- Pode ser. Amanhã estarei aqui, mas não sei se ela virá. Mas vou pensar. Logo se vê...
Carolina sabia que sua mãe fazia sempre isso para que ela soubesse de ante-mão que tudo dependia dela. De que seu comportamento em casa deveria ser excelente de forma que sua mãe não se aborecesse com nada.
Olhou para trás antes de sair do quarto e deu um adeusinho com a mão próxima ao peito e disse-lhes:
- Até amanhã!

domingo, 11 de mayo de 2008

Uma pausa para corecções...

Bom,

Caminhei até aqui e já tive algumas críticas muito construtivas.
Vou fazer uma primeira revisão a respeito das confusões de singular e plural e outras gafes mais que tenha, mas é mesmo importante que vocês notem, pois eu estou escrevendo directamente para o Blog, e as idéias surgem como flecha.
Preciso de apenas dois dias para fazer esta leitura com correcções. Ainda pretendo mudar a primeira folha... Por algum motivo, há qualquer coisa naquele iníco que eu não gosto...

Beijosssssss

sábado, 10 de mayo de 2008

Uma surpresa.

Carolina respondeu um "olá" baixinho e inibido. E o enfermeiro vestido de palhaço, abriu uma grande boca e disse outra vez:
- Olaaaaaaaaa.
E todos os meninos gritaram a riram-se... "Olaaaaaaaaa", como ele.
Carolina começou a rir também. - Afinal, eram todos uns grandes palhaços, - Pensou. A seguir veio a enfermeira vestida de boneca junto dela e abriu um saco. Pediu que colocasse a mão lá dentro e tirasse o que encontrasse. Carolina aceitou o desafio, pois estavam todos a olhar para ela em silêncio, mas sempre com um grande sorriso na cara. Ela não fazia ideia do que poderia encontrar lá. Mas arriscou e mergulhou a mãozinha até o cotovelo. O saco era muito fundo e vermelho. Por uns intantes ela pensou que podia ter um bicho lá dentro. Mas como se tratava de um Hospital, descartou esta idéia. Continuou a aprofundar mais seus dedinhos e finalmente tocou em um objecto de madeira. Não entendia muito o que definia aquilo que tocava. Parecia que tinha muitas peças e que acima havia uma especie de telhadinho, oras parecia que apalpava um rabinho de aninal de madeira, oras tocava em um ferrinho que estava na vertical, depois mais outro, mais outro...
- O que será isso? - Pensou Carolina.
- Tire o objecto do saco Carolina. Veja se gostas da surpresa?, - Falou Marcelo também curioso.
- Tira, tira, tira... - Gritavam todos os pequeninos.
Finalmente ela tirou devagarinho e ao mesmo tempo, quase mergulhando a cabeça dentro do saco, como se quisesse ver primeiro. E tirou de lá, muito emocionada, um lindo carrossel de madeira com quatro cavalinhos coloridos, e ainda por cima, quando Carolina fez girar os cavalinhos eles subiam e desciam ao som de uma música de circo. Seus olhos brilharam. Nunca tinha visto um carrossel tão perto e não acreditava que tinha ganho um. Abriu um sorriso largo olhando para todos com satisfação e agradecimento.
Marcos se ajoelhou aos pés dela e disse.
- Agora princesa, fica aqui um bocadinho com eles, que eu vou ver como está o seu pai e pedir para sua mãe vir buscá-la neste piso. Não demoro nada. Fique tranquila. Este palhaço que vês, é o meu irmão, que também é enfermeiro e a boneca-enfermeira, é minha namorada. Os meninos são todos amigos uns dos outros aqui. E todos eles tem problema parecidos. - Disse ele, levantando-se.
- Mas não parecem ter problemas alguns... - Disse Carolina, sem perceber como eles podiam estar tão descontraídos e felizes.
- No fundo eles não sofrem tanto como nós, talvez por terem menos conhecimento da vida e da morte ou por não querem se desligar da vida como parece querer a doença. Eles sofrem de cancêr Carolina. E os cabelos caem devido ao tratamento de quimioterapia, - Disse Marcos, ao mesmo tempo que falava baixinho se encaminhando para porta com ela.
As crianças tinham voltado para os jogos com os palhaços e chamavam a Carolina. Ela atendeu ao apelo, levando o seu carrosel para mostrar a todos.
Quando Marcos saiu, olhou a Carolina carinhosamente e fixou seus olhos azuis. Ela também olhou para ele e retribuiu a mirada meio desconcertada.

viernes, 9 de mayo de 2008

Uma festa diferente

Carolina estava sentada na entrada do corredor da UTI e não conseguia ver o seu pai, apenas uma cama vazia no último quarto em que sua vista alcançava. Via que tudo era tão branco que dava impressão que era um caminho para o céu. Pensava que seu pai nunca mais retornaria.
Continuou a olhar tristemente para as luzes que perspectivavam o chão e todos os brilhos que dela surgiam. Estava completamente concentrada na vontade de ver alguém sair e dar a notícia de que seu pai tinha finalmente morrido ou que já estava fora de perigo, que não ouviu o que o enfermeiro lhe dizia.
- ... O que acha?
- Como? - Disse Carolina, distraidamente.
- Você não estava me ouvindo?
- Sinceramente, não. Peço desculpas. - Respondeu ela, com um ar ainda mais infeliz.
- Não faz mal. Eu só tinha perguntado se você não queria sair um bocado deste corredor. O seu pai está bem. Agora, apesar do Coma, está em observação e em boas mãos. Não se preocupe. O que tiver que acontecer, acontecerá. - Disse-lhe o enfermeiro com amabilidade. - Não temas, - Continuou. - Por vezes sofremos sem necessidade. Agora só tens que confiar e esperar que seu pai tenha força de vontade de viver.
- Não acredito que ele queira mais viver...
- Porque? - Perguntou ele, franzindo as sombrancelhas.
- Por nada. Não é nada. - Respondeu Carolina rapidamente, com medo que ele pensasse que ela tinha algo a esconder.
- Tudo bem. Não faz mal é compreensivo o seu estado de ânimo. Eu acredito que estejas muito cansada e que não queira também falar sobre este assunto. Mas gostaria de lhe mostrar uma coisa. Será que a sua mãe se importa que venhas comigo por uns instantes? - Perguntou o enfermeiro passando as mãos sob seus cabelos loiros.
- Não. Com certeza ela não se importa. Mas você pode perguntar se quiser.
- Muito bem, farei isso. - Disse ele levantando.
Depois que D. Clara autorizou que a Carolina fosse com ele, o enfermeiro se apresentou a ela com o seu nome. Ele se chamava Marcelo Galardo e era estudante de Enfermaria. Tinha 22 anos e era um rapaz muito amável e carinhoso com todos os utentes hospitalizados.
Carolina não fazia idéia para onde Marcelo a estava levando e ele, por não querer estragar a surpresa, não lhe disse nada. Entraram por um corredor, tão parecido ao outro que estava, que era como se ainda não tivesse saído de lá. Subiram por um elevador e saíram em mais um corredor exactamente igual ao de baixo. Finalmente chegaram a uma sala que de longe se ouvia as gargalhadas altas de crianças e adultos. Ficou curiosa. Parecia uma festa.
Andou de mãos dadas com Marcelo até a dita sala e viu perplexa pelo menos dez crianças a rirem-se de um palhaço e uma especie de boneca de pano. Parecia um teatro, mas também parecia um circo. O quarto estava cheio de balões coloridos e bonecos de peluche. Cada criança tinha um brinquedo nas mãos e riam sem parar com as coisas que o palhaço dizia.
Ao mesmo tempo que também ria, percebeu que todas as crianças eram carecas. Não sabia porque, mas imaginou que podia ter sido parte da brincadeira daquela tarde. "Ainda bem que cheguei atrasada, pensou ela".
- Pessoal, tenho aqui uma visita muito especial. Esta é Carolina. - Disse Marcelo, chamando a atenção de todos.
- Olá Carolina!. - Disseram todos em coro.

lunes, 5 de mayo de 2008

A primeira perda

Assim que D. Clara notou a sua presença, ordenou que ela fosse para o quarto e que não saísse de lá enquanto não tivesse terminado os deveres da escola.
- Mas, mãe, hoje é sábado. Posso estudar amanhã..., - Disse Carolina, tentando ficar um pouco mais ao lado de seu pai.
- Não tem mais nem menos. Já disse para subir e acabar os deveres. Quando o jantar estiver pronto, a menina será chamada.
Carolina não teve outro argumento diante daquela voz e olhar que lhe atemorizava. Subiu as escadas lentamente e antes de sair do raio de visão do seu pai, deu um último olhar para ele.
E foi realmente o último, pois com o desmaio, e o traumatismo craniano que teve, e que não se notava, causou-lhe uma hemorragia interna que lhe limitou a vida normal para sempre.
A ambulância o levou naquela noite e os neurocirurgiões após o diagnósticos concluíram que houve uma ruptura directa seguido de uma hemorragia intracerebral. Disseram a D. Clara que o marido teve uma lesão em contra-golpe, causada pela força da aceleração-desaceleração do cérebro dentro do crânio e que pelo facto dele ter desmaiado a seguir, contribuiu para agravar a situação.
Carolina estava presente quando o médico finalmente disse que Sr. Fernando estava em coma e a recuperação iria depender muito de diversos factores, sua idade, sua resistência e capacidade de recuperação de tecidos e finalmente, a sua vontade de viver.
Incrívelmente D. Clara nem lacrimejou. Mas Carolina, a partir daquele instante já não via a sua vida segura ou tranquila ao lado apenas da sua mãe. Cresceu-lhe um pavor tão grande de ficar sozinha, que começou a tremer as mãos e as pernas até que caiu no meio do corredor do Hospital. Sua mãe lhe segurou pelos braços com alguma preocupação, e disse a todos que tentaram auxiliar, que com certeza foi por causa da notícia do seu pai e que logo logo ficaria bem.
De facto, Carolina levantou-se segurada pela mão de D. Clara e encostou-se na parede branca e fria do corredor para voltar a recuperar o seu equilíbrio.
Os médicos que estavam reunidos com ela, já aliviados com a menina, continuou dizendo que Sr. Fernando estava em coma profundo e que tinha apenas quinze por cento de chance de melhorar.
Carolina, saiu devagarinho do lado da sua mãe e foi sentar em uma cadeira que estava próxima à porta do corredor que seu pai se encontrava. Ela não o podia ver ainda. Estava em observação na UTI e todos os cuidados estavam a ser tomados. Os médicos por sua vez, continuavam a conversa com D. Clara e perguntavam a ela como tudo aconteceu, caso soubesse. E ouviu a sua mãe repetir a mesma conversa que tinha tido com Sr. Marcos. Mais uma vez Carolina se sentiu enjoada e seu coração dava tantos pulos que até pensou que alguém pudesse ouvir. Tentou controlar-se, mas o médico mais jovem, notava todos os passos e reacções de Carolina depois da sua queda. Aproximou-se dela para entretê-la em uma conversa cálida.
- Como está se sentindo agora? - Perguntou ele, com amizade e profissionalismo.
- Já estou melhor. Não foi nada. - Disse Carolina, tentando disfarçar o segundo mal estar.
- Noto que está outra vez com dificuldades de respirar... Sabe de uma coisa, é por estes motivos que nós não costumamos autorizar os menores a ouvirem conversas de adultos ou o que os médicos tem a dizer de seus parentes hospitalizados, mas a sua mãe insistiu dizendo que você já era crescida e podia aguentar todo tipo de notícia. Assinou um protocolo de responsabilidade e aqui está você Carolina Pignar...
- Por favor, não me chame com este nome. - Disse Carolina, com desgosto. Prefiro que me chame só de Carolina.
- E será que podia chamar de Carol?
- Pode. - Falou Carolina, baixando a cabeça e deixando cair as lágrimas finalmente.

domingo, 4 de mayo de 2008

"El Trato"

Seu pai ainda estava meio zonzo da pancada que levou na cabeça. Carolina pensou que ele não devia ter partido nada, porque não via sangue. E estava tão aliviada quanto ficou quando percebeu que o coelhinho também não parecia sentir dores ou que o problema de ambos fosse mais grave.
Ficou ali a olhar o jeito que o seu pai olhava para os pés da sua mãe... Ou talvez não estivesse a olhar para os pés dela. Parecia mais distraído e distante, mas só olhava naquela direção. Ela não achou que ele não estava verdadeiramente bem afinal. Deveria estar tão triste e envergonhado que mergulhava em uma depressão que até dava dó. "Pobre homem", pensou Carolina. Incrivelmente, seu pai é filho de uma família conservadora que ainda pensava em ter filhos e prometê-los a filhos de outros casais amigos e bem equilibrados na vida, como garantia de seus futuros. Mas no caso do pai de Carolina, a história tradicional das filhas prometidas aos filhos de pais ricos, foi o oposto. Ele era o filho pobre, que em uma noite de bebedeira do meu avô, prometeu que seu filho quando estivesse em idade de casar, casaria com a filha feia daquele senhor. Ficou tudo combinado e brindado com alegria. No dia seguinte, a avó de Carolina chorava quando soube da promessa. Contavam que a "Clara, monstro" era feia por dentro e por fora. Manipulava as pessoas, era mentirosa e preconceituosa. Ninguém nas redondezas ou vizinhança gostava dela. Esta história a Carolina ouvia até na escola. Por vezes, alguns meninos maus, lhe chamavam de "bastarda" e ela não sabia o que significava, e por outras chamavam de "el trato". E ela atribuía o apelido à consequência do trato do seu avô. Pobre Carolina. Por vezes se sentia em um mundo que todos pareciam ser maus para todos. E mesmo assim, se conservava uma criança sossegada, curiosa e amável. Acreditava que um dia pudesse ser feliz e descobrir que havia outro lado da vida que seria melhor do que este. Talvez quando crescesse...

sábado, 3 de mayo de 2008

O inesperado

Sua mãe em um ataque de fúria, deu uma grande bofetada na cara de seu pai. E em um segundo, ele bateu com a cabeça no vidro lateral da janela do carro e desmaiou em seguida.
Carolina assistiu a tudo de longe, ao mesmo tempo que o coelho despertava em suas mãos. Parecia que estava bem, mas quando tentou colocá-lo no chão, viu que afinal ele tinha dificuldade em andar. Parecia ter uma pata partida. Voltou a olhar para o carro de seus pais e viu a sua mãe em cima dele a tentar despertá-lo. Chorava copiosamente e chamava por Carolina.
Ela então colocou o coelho em uma caixa vazia que ainda tinha umas poucas ferramentas e correu para ajudar a seu pai.
- Carolina, vá correndo chamar o vizinho, Sr. Marcos. Diga-lhe para me vir ajudar que eu não sei o que aconteceu. Diga-lhe que seu pai está desmaiado dentro do carro.
Carolina sabia que o desmaio não foi por acaso e que ela era culpada daquilo ter sucedido. Saiu a correr à procura do vizinho e foi todo o caminho odiando a sua mãe mais do que já lhe odiava. Encontrou o Sr. Marcos no jardim a lavar o carro e com as mãos cheias de sabão, ouviu a voz aflita de Carolina e sentiu a urgência do seu pedido.
Quando Sr. Marcos chegou, levou o pai de Carolina para dentro de casa, carregado em seus braços. Sua mãe, estava convencida de que ninguém a tinha vista bater nele e sustentava a idéia de que tudo aconteceu de repente.
- Mas o que aconteceu, D. Clara...
- Não sei ao certo. Antes, quando vinhamos a caminho de casa, Fernando atropelou um coelho na estrada. É possível que com o impacto tenha batido com a cabeça no vidro e como eu autorizei à menina que podía trazer o animal para casa contra a vontade dele, ficou furioso. Talvez tenha estado a aguentar a raiva e a pancada até chegar à casa. E quando parou o carro, desmaiou.
- É possível, é possível... Disse Sr. Marcos, acreditando na história dela.
Carolina, saiu dali a correr. Tinha vontade de vomitar e se não fosse o castigo que poderia sofrer, tinha dito a Sr. Marcos exactamente o que ela viu. Mas também sabia que ninguém iria acreditar na versão de uma criança.
Encontrou o coelhinho parado a cheirar as ferramentas sujas de óleo. Parecia mais calmo e como não se mexia, tão pouco sentia a dor da pata partida. Pegou um pedaço de trapo, partiu um pincel velho e fino que estava ali e colocou amarrado na patinha dele. O coelho não tinha reacção alguma. Era como não se importasse com a dor. Deixou-o mais uma vez e foi ver como estava o seu pai.
- Agora, dê-lhe um pouco de água e por favor, não o deixe dormir. Vou chamar uma ambulância para ver se está tudo bem com a sua cabeça, dizia Sr. Marcos, depois de ter acordado o pai de Carolina.
Saiu a correr para fazer a chamada para o Hospital e deixou Carolina encostada à porta olhando para a mãe com desprezo. D. Clara não notava que Carolina soubesse de algo e deu pouca importancia à sua presença.

viernes, 2 de mayo de 2008

socorro ao coelho

Deu a mão à sua mãe, que não parecia nem um pouco preocupada com seu momentâneo desaparecimento. Mas não deixou de reclamar por ter sujado a roupa com chocolate. Carolina não lhe ouvia as palavras irritadas, nem sentia os gestos que fazia bruscamente tentando lhe limpar o vestido. Estava ainda pensando no rosto da mulher que viu na esquina. Perguntava-se porque teria ela um queixo com uma mancha roxa. Será que tinha caído? Será que o bebé nos seus braços estaria morto? Ou será que alguém lhe bateu?. Olhou mais uma vez para trás e percebeu que a senhora já não estava ali. Entretanto encontrou o meu olhar com a mão a acenar-lhe com um lenço branco e a sorrir satisfeito por ela já estar acompanhada por seus pais.
Carolina foi todo o caminho a pensar na pobre mulher. Mas ao mesmo tempo estava ansiosa para chegar à casa e conversar com seu peixinho dourado. Era para ele que contava todas as suas peripécias do dia e por vezes até parecia que queria lhe dizer algo. Pensou ela, que um dia iria ensinar Jeremias a falar. Mas também pensava que seria impossível que ele fizesse isso dentro d'água.
Enquanto ia a pensar em suas coisinhas no banco de trás do carro, percebia na cara de seus pais, que eles não deviam estar lá muito satisfeitos com a vida. Tinham os dois, as cara mais sérias que um dia ela possa ter visto neles. Não falavam uma palavra e a mãe estava sempre com o rosto virado para a paisagem à sua direita. Seu pai, conduzia com atenção, mas por vezes saía da estrada distraídamente. Quando ela se assustou e gritou:
- Cuidado, pai!
Não deu tempo. Seu pai tinha acabado de atropelar um coelhinho. Parou o carro bruscamente e foi ver que espécie de animal tinha tido o azar de tamanha desgraça. Viu que o animal ainda se debatia de dores, mas não estava morto. Carolina que tinha saído do carro sem autorização, começou a chorar e pedir para levar o coelhinho com ela. Seu pai não queria e disse para ela soltar o animal à sua sorte. Não queria nenhum bicho lá em casa. Muito menos aleijado.
Sua mãe, que até aquela hora não se tinha manifestado, como se para contrariar o seu marido, disse a Carolina que não havia mal nenhum que ela levasse o coelhinho para casa. Desde que ela prometesse que cuidaria dele e limparia toda a sua porcaria. Mesmo sabendo que o porbre bicho não teria muitas hipóteses de vida.
Carolina nem acreditava na autorização e seu pai olhou irritadamente para sua mãe, entrando nervosamente para o carro. Então ela embrulhou o coelho na saia do seu vestido branco de florzinhas vermelhas e o levou para o carro. Ele parecia assustado e tremia todo o corpo, mas não tinha sangue em parte alguma. Ela passou toda a vigem a lhe acariciar o pelo cinzento tentando acalmá-lo e quando se sentiu seguro, dormiu.
Carolina, esqueceu completamente dos aborrecimentos de seus pais. E sabia perfeitamente que o coelhinho no seu colo era um pretexto de dicussão que a seguir implicaria à ela um envolvimento mais amiúde na família.
Quando chegou à casa, Carolina foi a primeira a sair correndo do carro. Na verdade não queria ouvir nenhuma advertência que a partida imaginava ela que já sabia. Gritou sem olhar para trás que iria dar o socorro para o coelhinho antes que ele morresse.
Seus pais não saíram do carro, nem mencionou palavra. Ficaram lá dentro ainda por uns minutos, calados sem olhar um para o outro.
Carolina, entrando na casa de ferramentas e primeiros socorros, que tinha seu pai em uma casota construída propositamente, olhou para trás para ver qual tinha sido a reacção deles quando viu sem querer aquilo que jamais pensava que pudesse acontecer...

jueves, 1 de mayo de 2008

Carolina só...

Aquele chocolate estava com certeza muito bom ou ela tinha muita fome, pois quando começou a comer, lambuzou toda a roupa e a carinha de anjo, com os sabores do cacau adocicado.
Enquanto comia, eu a mirava e me perguntava de onde poderia ter saído tão linda menina. Paguei o chocolate e saí com ela da loja para ver se dando uma volta pela calçada, eventualmente encontraria a sua família.
- De onde você veio?
- D'ali - respondeu a menina misteriosa como se lembrasse afinal alguma coisa. -Estou com meu pais. Eles estão nas compras e eu ando um pouco pela cidade enquanto espero.
- Ah, bom. Confesso que pensei que você estivesse perdida e esquecida. Estava com um ar tão taciturno que não sabia o que pensar. Como te chamas? - Perguntei, ainda desconfiado.
- Carolina. Meu nome é Carolina só.
- Carolina Só?
- Não, tenho outro nome depois de Carolina, mas não gosto. Disse ela, explicando.
-Não faz mal. Não tenho interesse em saber o seu nome completo. Não acha que já está na hora de voltar para junto de seus pais? Já devem estar preocupados.
- Não. Na verdade não tenho vontade nenhuma. Eles não gostam de mim. Disse ela, abaixando a cabeça.
- Bobagem! - corrigi. - Por vezes pensamos que as pessoas não gostam de nós, mas é porque cada um tem uma forma de demonstrar. Não se preocupe. Com certeza eles gostam de ti e neste momento já estão preocupados. Olha lá aquele casal na porta daquela loja. Parecem procurar alguém.
- São eles. São os meus pais adotivos. - Disse ela, mais uma vez abaixando a cabeça tristemente. - Não quero voltar para casa com eles.
- Desculpe-me pequenina, mas tens que voltar com eles. Ninguém em parte alguma pode ficar contigo a cargo. Você só pode sair de casa e da responsabilidade dos seus pais quando tiveres dezoito anos. Até lá, tem que ser alimentada, alfabetizada e conviver com eles. Quando tiveres idade para sair de casa para viver a sua vida, terei muito prazer em ajudá-la. Agora vá. Eles já estão com ar de preocupados.
Carolina, deu dois passos para frente e depois olhou para trás dizendo, "Eu não vou esquecer do que me disse. Nem do seu rosto. Quando fizer dezoito anos venho lhe procurar".
- Mas você não me conhece. Já agora me apresento, sou Jonas Almeida, ao seu dispor. - Disse-lhe mostrando a minha mão para um cumprimento mais formal.
Carolina sorriu e foi lentamente ao encontro dos seus pais. Ia com pouca vontade, quando notou o olhar de uma mulher que estava parada em uma esquina com uma criança nos braços e ao que parecia, uma mancha roxa no queixo.